quinta-feira, outubro 30, 2008

ele/eu

lavou meus cabelos quando voltei.
Ele me abraçou e sorriu sincero. Chorou um pouco mas disfarçou.
Quer um café, ele me disse. Eu fiz que sim com a cabeça. Tinha o corpo pouco rigido e sentia-me envergonhada por ter passado tanto tempo fora. Lá, a nossa casa, idêntica a quando a deixei. As cortinas que eu havia escolhido. A mesa que eu pintei. As mesmas cores, cheiros, posições. Achei que ele sempre soube que eu ia voltar. E já havia me aceitado quando saí descabelada porta afora.
Eu preciso do mundo.
Você é meu mundo, ele falou na época.
Descobri que não tem mundo. Não tem gente, não tem sentimento, não tem amor. Além desse, que de forma estranha me faz retornar a nossa casa.
Você está mais magra, me disse. Eu sorri amarelo. Deve ser por isso que ando me sentindo fraca demais.
fraca demais.
Ele tinha a cara ainda mais cansada do que quando o conheci. Achava charmoso. Acreditava na época que ele levava todo a dor do mundo naquelas sombrancelhas arriadas. O olhar dele que me entrava e me deixava nua, em um segundo.
e agora aqui, eu sentada em meu sofá, tomando café.
Ele me banhou, no dia que voltei.
Me rebazitou com seu amor.
Fiquei limpa, límpida. Ele me tirou as dores do mundo que não encontrei e beijou meu corpo.
Fizemos um grande silêncio de meditação em torno do que nos acontecia.
dormiu em meu colo, e eu sobre o seu corpo. E assim ficariamos até conseguirmos esquecer de tudo que passou.

domingo, outubro 26, 2008

as ine(xa)speradas coisas

Hoje pensei em escrever uma coisa qualquer sobre traição. Sempre me defendendo sob a idéia de que o amor puro é puro e a paixão sexual vem de outro registro. E sempre - sempre! - a dizer que traição é um conceito maior que não se aplica a nada disso.
Mas se sinto te traindo...
Estou vestida de branco e tenho um laçarote patético em volta do meu pescoço. Tu me enforcas. Ele me enforca. Deixa em carne viva onde estava o laçarote. Me tira a roupa, me tira o pudor, o temor. Ele me toma. Tu, me amas.
Preciso de forma infantil da sensação que estou em contato com o novo que para mim é vida. E você me é novo. Mas é menos novo. E eu sou patética.
Imagino-te a cara a me ouvir falar isso.
Ela, já ébria, gargalha com o baseado na mão. Lasciva.
- Queer?
Poderia te deixar me tirar o fôlego, mas não. E você me diz que sou tão bonita.
Fico mais bonita a cada dia que transo com ele.
- estou apaixonado.
- calma.
E eu a pensar nessa casa, nesses lençois, na morte da tua tia velhinha. Os gatos em volta de ti. Minhas pernas em volta de ti.
Vocês se abraçam em meu corpo: Você não vai me deixar, não é?

te amós.

quinta-feira, outubro 23, 2008

constatei, triste

Estava caminhando entre meus escrito hoje e descobri um pedaço de papel, amassado e escrito em garranchos. Me senti um tanto perdida. Era minha essa anotação? Era resto de ti em casa? Alguém, um outro ou outra, que passara por aqui algum dia?

Ele levava um título:
"constatei, triste"

e logo:

"há algo de doente em mim e eu não consigo dividir
porque eu não acredito que seu amor cure
porque eu não acredito nesse amor"


chorei emocionada, sem saber mais o que me cabe e o que vem - e vai - de mim.

segunda-feira, outubro 13, 2008

rachel está viva!

Outro dia vi você passar na rua. Tinha filhos e estava de mãos dadas com Rachel.
Senti vontade de morrer.
Ainda hoje guardo suas camisas que você tinha mania de passar em meu armário. Ocupam-me espaço. No armário e na cabeça. Fico achando que vais voltar.

Quando vi rachel segurando sua mão, igual ao jeito que tu me dissestes que gostava que eu segurasse, cai no chão. Não consegui respirar e tive que me apoiar em um canteiro burocrático desses da rua, que os prefeitos constroem para ganhar eleição.

Por que me passava pela cabeça por todos esse anos de que tu, vivia ainda a memória tanto quanto eu? Não pensava em você, não falava em você, mas tu eras quase como um amigo imaginário, desses que a gente, que nem na infancia, confunde amor e amizade.

Quis arranca-la de ti. Quis arrancar-me de ti.
Matar-te.

Sai correndo em desespero e quando entrei em casa, beijei, uma a uma, as tuas camisas.