quarta-feira, fevereiro 09, 2011

são paulo, 02 de setembro de 1954

Minha querida irmã,

imagino como estejam papá, mamã e brutus, o cão. Todos a essa hora sentados juntos à mesa tomando petit dejeuner. Mamã come seu brioche com ares de fina e papá devora o ovo cozido que a ama Lourdes fez com tanto amor - com tanto amor, ela diria.
Você sentada no meio dos dois, em vestido branco, a pensar no que fará quando saires daí.

São Paulo é a capital do progreso, maninha.

Aqui, meu marido sai para trabalhar todos os dias de manhã bem cedo, não se há tempo para tomar café junto. No templo do progresso mal se há tempo para dormir. Acordo sempre com ele se vestindo, e mesmo o gato, laurindo, tem seus horários próprios.
Aqui individualidade é lucro.
Palavras que venho aprendendo.
Outro dia, tomando café em minha varanda, como agora enquanto lhe escrevo essa carta, fui apanhada no susto - e cheguei mesmo a derrubar meu chá em cima de laurindo, que dormia, pobre - por um leiteiro apressado. Faltou-me o moço jogar o leite em cima também.
Todos correm, correm, correm.
Eu, assisto.

Como ias gostar de minha varandinha, maninha. Vá, pede ao papá e a mamã para te trazerem aqui. O tempo corrido, e o lucro das pessoas me faz muito sozinha. Vem, vem que ainda te deixo dar umas bitocas em laurindinho. Ah, como é manhoso este gato.

Dá beijos em Lourdes e vê se não te apressas muito em mudar-te para cá.
O progresso é vazio de sentimento e emoção.

Camille